Pesquisa brasileira em CT já apresenta resultados
O uso de células-tronco para o reparo de órgãos e tecidos lesados, abre as portas para uma nova era, rica em possibilidades, e batizada de medicina regenerativa, a qual, segundo alguns pesquisadores, apresenta um potencial revolucionário comparável ao do advento da penicilina. Apesar do entusiasmo dos cientistas e das esperanças depositadas por uma parcela considerável da população que poderá um dia beneficiar-se do conhecimento gerado nessa área, são necessárias muitas pesquisas, financiamentos e disposições políticas, éticas e morais para compor o cenário ideal ao pleno desenvolvimento dessa área terapêutica.
"A principal aplicação da terapia de células-tronco seria em doenças crônico- degenerativas, que afetam principalmente pessoas na terceira idade. Com o gradual aumento da expectativa de vida populacional, prevê-se que haja um aumento considerável na ocorrência dessas doenças na população", afirma Ricardo Ribeiro dos Santos, imunologista e coordenador do Instituto do Milênio de Engenharia Biotecidual (IMBT).
A equipe do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz, da Fiocruz, na Bahia, realizou o primeiro transplante de células de medula óssea em pacientes com insuficiência cardíaca devida à doença de Chagas - um feito até então inédito no mundo. O grupo obteve resultados muito rapidamente, em um prazo de três anos e meio, entre a pesquisa básica, iniciada em 2000, e a aplicação clínica, iniciada em junho de 2003. O projeto com células-tronco em pacientes chagásicos contou com o financiamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, Fiocruz, CNPq e também do Hospital Santa Izabel da Santa Misericórdia, que chegou a investir recursos próprios para a realização dos transplantes.
Santos explica que o grupo já tem uma base experimental para tratar pacientes em estágios avançados da doença de Chagas, com a utilização de células-tronco medulares. "Esta é uma tecnologia compatível com o Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que o procedimento é muito mais barato do que um transplante cardíaco convencional. Acredito que, com boa vontade política, poderíamos atingir uma população carente, entre dois ou três anos", prevê o pesquisador.
No Instituto do Coração (Incor) de São Paulo, são realizadas, também com bons resultados, aplicações diretas de células-tronco em pacientes com insuficiência cardíaca, causada por doença de Chagas, hipertensão ou de origem desconhecida. Duas técnicas diferentes foram utilizadas: a aplicação de células-tronco isoladas da medula e a utilização de um hormônio que estimula a liberação das células-tronco da medula óssea para a circulação sanguínea. "A nossa hipótese de trabalho é a de que as células-tronco podem ser estimuladas para se dirigirem, por si mesmas, para as regiões lesadas do organismo" diz Edimar Bocchi, um dos responsáveis pela pesquisa. Existem, até o momento, 12 pacientes tratados pela técnica. Esta é uma pesquisa em andamento, que apresenta resultados muito estimulantes, segundo o pesquisador. "Se realmente se confirmarem esses resultados, esperamos que esse tipo de tratamento possa auxiliar um grande número de pessoas, principalmente entre os pacientes que precisam de transplantes" informa Bocchi.
Outras linhas de pesquisa com células-tronco também apresentam resultados promissores, entre elas a do tratamento de lesões traumáticas em que se utiliza uma injeção local de células-tronco medulares. Um estudo feito pela equipe do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), conseguiu recriar impulsos elétricos entre a região lesada e o cérebro, pela aplicação de células-tronco medulares. Dentre os 30 pacientes transplantados, todos portadores de lesões medulares crônicas.
As aplicações das células-tronco estendem-se também à engenharia biotecidual, que utiliza o rápido potencial de crescimento apresentado pelas células-tronco para a obtenção de tecidos, tais como ossos, pele e cartilagem, que são cultivados e reimplantados nos pacientes em casos de lesões. Este procedimento já é realizado no Hospital das Clínicas da UFRJ, pela equipe do pesquisador Radovan Borojevic. A equipe trabalha também em estudos envolvendo o tratamento de grandes lesões ósseas, as quais não têm possibilidade de regeneração espontânea. Nesses casos, são utilizadas células-tronco medulares injetadas em matrizes ósseas humanas, que permitem que as células-tronco se diferenciem em células ósseas, promovendo a regeneração do tecido lesado. "Nós acabamos de concluir, em parceria com a Faculdade de Veterinária e Zootecnia da USP, os estudos com modelos animais e os resultados foram muito animadores. Eu espero que os testes em humanos seja possível ainda em 2004" diz Borojevic.
A equipe da UFRJ desenvolve também trabalhos na linha de tratamento de cardiopatias, em parceria com o Hospital Pró-cardíaco, no Rio de Janeiro. Nesses estudos foram realizados os transplantes de células-tronco medulares em 20 pacientes que aguardavam o transplante cardíaco. Do total de transplantados, 16 pacientes foram estudados por um longo prazo, demonstrando que a terapia celular trouxe consideráveis melhoras clínicas. Todos os procedimentos foram financiados por verbas de pesquisa, porém a expectativa é de que, posteriormente, esta seja incluída na lista das terapias que são cobertas pelo SUS. Borojevic afirma que "nesse caso particular, existe a possibilidade de que o Conselho Nacional de Medicina autorize formalmente esse tipo de terapia, o que vai permitir que ela seja coberta pelos planos de saúde e também pelo SUS".
Doenças auto-imunes
As células-tronco parecem ser um campo promissor também no tratamento de doenças auto-imunes, tais como a artrite reumatóide, o lúpus eritematoso sistêmico e a nefrite lúpica. Algumas experiências já foram realizadas pela equipe de Júlio C. Voltarelli, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP (HCFMRP-USP). Esses estudos empregam células-tronco medulares do próprio paciente, das quais são separadas as subpopulações não auto-imunes, que são reintroduzidas nos pacientes, depois de passarem por tratamento com quimioterápicos. A quimioterapia destrói as células defeituosas do sistema imune. Voltarelli e sua equipe já realizaram o transplante em 20 pacientes portadores de diferentes doenças auto-imunes, obtendo resultados animadores. Os projetos de pesquisa encontram-se agora na fase que envolve a realização dos transplantes em um número maior de pacientes, em diferentes centros, a fim de comparar os resultados obtidos com a terapia convencional e a que se utiliza das células-tronco. O próximo passo, se for comprovada a superioridade do tratamento com células-tronco, será o de torná-lo disponível em hospitais públicos e privados.
Entre as doenças auto-imunes nas quais o tratamento com células-tronco está sendo testado, encontra-se também o diabetes melito. Pesquisadores do Núcleo de Terapia Celular Molecular (Nucel), do Instituto de Química da USP, obtiveram resultados positivos na diminuição dos efeitos do diabetes, através de transplantes de ilhotas pancreáticas. Já os pesquisadores do hospital da USP de Ribeirão Preto, tentam obter resultados semelhantes utilizando uma técnica diferente. A técnica aplicada em Ribeirão Preto envolve a retirada das células-tronco do paciente, que é então submetido à quimioterapia e à ação de imunossupressores, para então reintroduzirem-se as células-tronco no próprio paciente, evitando, assim, que as células alteradas do sistema imunológico destruam as células produtoras de insulina do pâncreas.
A pesquisa com células-tronco embrionárias
Os estudos com células-tronco embrionárias, por enquanto, só são permitidos em modelos animais. Na Fiocruz de Salvador, por exemplo, são desenvolvidas culturas de tecidos, obtidas a partir de camundongos normais e de camundongos geneticamente modificados. Os estudos com células-tronco embrionárias humanas devem demorar, pois trata-se de um tema polêmico, que envolve questões científicas e questionamentos ético, moral e religioso. O país ainda não dispõe de uma legislação específica sobre o assunto, e a lei que ainda está em vigor é a Lei de Biossegurança de 1995, que proíbe as pesquisas com células-tronco embrionárias e também a clonagem de qualquer tipo, terapêutica ou reprodutiva. A nova lei deve ser votada esta semana no congresso, mas esse item dificilmente será modificado. (leia mais sobre a legislação).
"Se fosse aprovada a pesquisa, os resultados não demorariam a aparecer, uma vez que o Centro de Estudos de Genoma Humano, além de outros centros de pesquisa, já possuem um aparato técnico para isso. Os pesquisadores aguardam apenas a autorização para darem início às pesquisas", comenta Andreia Bezerra de Albuquerque, presidente do Movimento em Prol da Vida - Movitae, entidade que ajudou na elaboração do documento de pedido de liberdade para a pesquisa científica e que defende também a criação de bancos públicos de sangue de cordão umbilical e placenta.
Vários segmentos da sociedade têm assumido uma posição contrária às pesquisas com células-tronco embrionárias, alegando que o início da vida humana ocorre no momento da concepção, tornando assim a pesquisa com embriões injustificável e anti-ética. Outra argumentação é a de que se estaria abrindo também a possibilidade de que fossem produzidos embriões humanos que serviriam como fonte de células-tronco embrionárias, com possibilidade inclusive de comercialização dos mesmos.
A criação do Instituto do Milênio de Engenharia Biotecidual, tem permitido um avanço nas pesquisas com células-tronco no Brasil, mas há outras fontes de financiamento para esse tipo de pesquisa, tais como a Fapesp, através dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) - Centro de Terapia Celular, em Ribeirão Preto e o Centro de Estudos do Genoma Humano, em São Paulo -, e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao MCT. Esta última deverá financiar a construção de uma sede para a pesquisa com células-tronco, em São Paulo, junto ao Hospital Universitário da USP e que abriu um edital de convocação de financiamento de pesquisas aplicadas envolvendo o uso de células-tronco adultas, em janeiro de 2004.
Apesar de todas as controvérsias envolvidas, desde os questionamentos éticos até as dificuldades técnicas, percebe-se que, como no caso das não muito longuínquas discussões a respeito da clonagem de seres humanos, as respostas e soluções serão tomadas, de uma maneira ou de outra, levando-se em conta, não apenas a possibilidade teórica de realização, ou não, de um determinado experimento, mas sim, da real factibilidade, necessidade e aceitação social dos resultados que possam ser decorrentes desse processo.
(LZ)
Atualizado em 10/02/2004
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terça-feira, 29 de setembro de 2009
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